segunda-feira, 19 de maio de 2008

«Fiz, porque vi na televisão»


Muitos jornais saltaram recentemente com a notícia de que, em Portugal, a mortalidade já ultrapassou os nascimentos. Porquê? A questão conduz a respostas multifacetadas. Os media poderão fazer parte desse leque

Não é novidade, mas a confirmação de que os portugueses têm uma vida cada vez mais sedentária foi divulgada a semana passada pela empresa de estudos de mercado GfK sobre como 1036 pessoas passaram o seu tempo livre nos últimos 12 meses.
«Ver televisão» foi a resposta de 96 por cento dos inquiridos e as restantes actividades continuam a ter o sofá como assento, na companhia de DVD, CD ou MP3, dos livros e da Internet.
«Porquê sedentários?», perguntou o Público, guiando à criação de dúvidas acerca da metodologia empregue no próprio estudo. «Os entrevistadores da GfK começaram por pedir aos inquiridos que enumerassem as suas actividades de entretenimento. Depois, liam uma lista pré-definida de actividades, perguntando-lhes se as tinham realizado», o que pode ter condicionado muitas das respostas, uma vez que opções como «passear» ou «visitar museus» não constavam da lista oferecida pelos locutores.
Ainda assim, Sandra Ramos, account manager da GfK, acredita que este sedentarismo, a ser verdadeiro, pode prender-se com motivos tradicionais: «Valorizamos muito a casa, a família.»
A opinião de Sandra leva a crer que, afinal, fazer parte de uma população sentada (quando não está a trabalhar e, muito provavelmente, quando está) até nem é muito mau. É claro que o inquérito, pela forma como foi realizado, suscita grandes dúvidas. E é igualmente claro que o «defeito» não é exclusivamente português, até porque, sentados, aproximamo-nos à cultura que se tem vindo a generalizar no mundo ocidental.

Televisão e (ou?) família?

Que causas estarão na eleição da TV como objecto e meio de entretenimento de preferência? Talvez questões económicas, a superlativação dos preços da cultura em Portugal, uma possível desmotivação social ou falta de informação para a admissão de alternativas.
A televisão, os filmes no sofá e a música não são monstros. Aliás, revelam-se conceitos e «bens» preciosos, no sentido em que integram socialmente e enriquecem a cultura pessoal. No entanto, o facto de serem os hábitos mais frequentes dos portugueses aponta para uma «destruição» gradual do corpo. Um corpo cada vez mais cansado e flácido, gorduroso e açucarado, disforme e desinteressado, a criar doenças que caem em percentagens crescentes.
O.K., assentos fofos e aconchegantes não são monstros, mas «família» e «televisão» serão conceitos compatíveis? Não se diz por aí que até quebram diálogos e essas coisas, que silenciam os serões portugueses?
Também o Público apresentou uma matéria que invoca uma outra capacidade de interferência da televisão: a formação sociocultural através da «boa da telenovela». O título de Andreia Sanches, «Três décadas de telenovelas levaram brasileiros a ter menos filhos?», fala por si.
«Mais de 60 por cento das personagens femininas principais não têm filhos» e «30 por cento são infiéis e traem os companheiros», analisou um estudo de Eliana La Ferrara, da Universidade Bocconi, em Milão, e de Alberto Chong e Suzanne Duryea, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, sediado em Washington.
O documento Soap Operas and fertility: evidence from Brazil, publicado pelo Center for Economic Policy Research, em Londres, lançou a ideia de que 30 anos de telenovelas podem ter tido algum peso na descida da taxa de natalidade do país sul-americano.
Televisão: espelho ou estímulo social?

Ainda assim, «todos os países onde se tem registado desenvolvimento económico têm sofrido uma diminuição da natalidade», salientou Helena Sousa, directora do departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, entrevistada pelo Público.
Já Ana Paula Castela, socióloga do Instituto Politécnico de Castelo Branco, apontou para um novo aspecto: «Os portugueses gostam das telenovelas brasileiras, acham graça, gostam da língua, mas são muito diferentes dos brasileiros.» Aliás, «a telenovela portuguesa tende a valorizar menos a família do que a brasileira», considera.
A socióloga julga que o que ocorre nesta troca entre o ecrã e as «pessoas de verdade» é que «as telenovelas reflectem sobretudo os valores dos países onde são feitas» e não ao contrário. Apenas ajudam a «legitimar» as opções dos telespectadores.
Generalizando, se 96 por cento dos portugueses vêem as suas escolhas legitimadas pela TV, ao abraçarem-na livremente, de forma quase exclusiva, sentirão necessidade de outro tipo de «avales»? Em pouco mais de 50 anos de expansão galopante, este monopólio de 70 centímetros de lado fez maravilhas a escrever culturas, ou parte delas. Mas quando resta pouco espaço à concorrência exterior, como o desporto, o teatro ou a simples caminhada, é um bocado «chato» pensar que os nossos actos andam a ser legitimados e influenciados pela SIC ou pela Rede Globo.

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